A ultrassonografia
transvaginal não reduz o risco de morrer de câncer. Pelo contrário, na
maneira como este procedimento é praticado hoje em dia no Brasil, pode
ser um perigo para a saúde da mulher.
Eu viajo frequentemente ao Brasil, onde estou passando boa
parte do ano para pesquisa acadêmica. Adoro o país e os seus habitantes
e, diferentemente da maioria dos estrangeiros, tento entender como a
sociedade brasileira chegou a ser esta amálgama única de histórias e
culturas de vários continentes. Ou seja, tenho uma ideia da
“brasilidade” muito além dos estereótipos de samba, futebol e praia. O
Brasil, para mim, é um paraíso de dimensões míticas. Apesar disso, onde
se tem muita luz, também se vê sombra.
Quando minha namorada brasileira um dia me contou que, ao fazer o
exame ginecológico regular, a médica lhe recomendou também uma
sonografia transvaginal, eu fiquei um pouco irritado. Eu lhe perguntei
se isso era indicado no caso de pacientes de alto risco ou para aquelas
que tivessem antecedentes de câncer de ovário na família. Para minha
surpresa, ela afirmou que este não era seu caso. O procedimento
simplesmente foi realizado de maneira “preventiva”. Tratava-se de um
exame de rastreamento. Na verdade, eu não fiquei chocado pelo uso do
ultrassom transvaginal em si, pois este método, devido a sua alta
resolução da imagem em comparação com a sonografia tradicional, pode ser
considerado muito útil para a diagnose de mulheres grávidas ou com
sintomas de alguma doença ginecológica, como miomas ou quistos, tal como
para exames dos ovários em pacientes de alto risco. Entretanto, este não era o caso.
Na Alemanha, ao contrário, é bem conhecido que o ultrassom
transvaginal não deve ser usado desta maneira despreocupada com fins
“preventivos”. É por isso que o seguro obrigatório de saúde não paga
este procedimento e as entidades médicas oficiais o consideram
desnecessário e, inclusive, perigoso. Segundo o Instituto Alemão de
Controle de Produtos e Serviços, o beneficio médico deste exame é “quase
nulo”, mas os possíveis danos podem ser “consideráveis”. O Serviço
Médico dos Seguros de Saúde, por exemplo, não recomenda seu uso para
mulheres da “população média”, ou seja, mulheres saudáveis sem sintomas.
Sua aplicação seria, porém, indicada caso o exame ginecológico manual
mostre alguma anomalia. Do mesmo modo, o Instituto Alemão de
Documentação e Informação Médica do Ministério de Saúde (DIMDI) constata
que não tem nenhuma evidencia científica que possa justificar este
procedimento como exame de rastreamento.
Ao inverso, devido aos frequentes falsos positivos e devido ao pânico
que pode causar uma diagnose errada numa mulher, sem falar das
possíveis operações desnecessárias, a sonografia transvaginal
“preventiva” é qualificada como um tratamento “negativo”. Os médicos que
a oferecem nos seus sites, na contramão das orientações oficiam, ou
seja, vendendo o exame como se fosse um serviço particular para a
“prevenção do câncer”, são advertidos pela Associação de Proteção ao
Consumidor, a ponto de precisarem retirar estes anúncios sob pena de
processo jurídico. Por isso, nenhuma organização profissional médica da
Alemanha recomenda atualmente este exame para previr câncer de ovário ou
câncer endometrial, devido aos resultados assustadores de quatro
grandes estudos empíricos que foram realizados nos últimos anos na
Europa, no Japão e nos EUA.
Nos EUA, tanto a Associação de Ginecologia e Obstetrícia, como o grêmio Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian Cancer Screening Trial
(PLCO) que aconselha o governo dos EUA, assim como todas as grandes
instituições de pesquisa oncológica, rechaçam este método como forma de
prevenir câncer. Segundo a Aliança Nacional contra o Câncer de Ovário,
os riscos provocados por falsos positivos não são menores, pois algumas
mulheres já até morreram por causa de operações desnecessárias.
Isto tem a ver com o fato de um estudo amplo realizado pelo PLCO, o
qual foi publicado em 2011, evidencia que, até hoje, quase nenhuma
mulher tenha se salvado do câncer, graças à ultrassonografia
transvaginal. Este estudo se fundamenta na base empírica mais completa
até agora. Trata-se de uma pesquisa realizada com cerca de 78.000
mulheres durante treze anos, ou seja, se baseando numa mostra
estatisticamente bastante significativa. No final do estudo, no entanto,
na metade das pacientes que foi tratada com ultrassom transvaginal a
taxa de morte por câncer de ovário foi mais alta do que no grupo das
mulheres tratadas com métodos convencionais (118/100)! O grande problema
é que o câncer de ovário é um assassino silencioso e agressivo, sem ter
muitas possibilidades de ser detectado num estado preliminar, caso
tenha estado preliminar. Convencer as mulheres que a ultrassonografia
oferece uma espécie de “proteção” contra a doença é simplesmente uma
mentira e absolutamente antiético, pois cria uma falsa ilusão de
salubridade nas mesmas. Até hoje, a etiologia deste câncer é
desconhecida, sua detecção e sua cura são difíceis.
Mas o que transforma o ultrassom transvaginal num perigo grave para
muitas pacientes é a alta taxa de falsos alarmes que este método produz,
como já os tinha mencionado acima. Segundo as pesquisas europeias e
norte-americanas, a precisão do método é tão baixa que muitos achados
resultam sendo falsos positivos, e muitos tumores existentes
simplesmente não são detectados, pois a tecnologia ainda não é
suficientemente madura. É mais um aspecto assustador do estudo do PLCO:
em cada 100 mulheres, nas quais o ultrassom transvaginal encontrou uma
anomalia, no final, só uma mulher foi diagnosticada com câncer de
ovário. As outras 99 anomalias achadas eram, portanto, casos de
sobrediagnóstico. De todo modo, cada terceira destas mulheres teve que
se someter a uma intervenção cirúrgica, e em cada sexta destas operações
houve complicações graves.
Os responsáveis da pesquisa resumem os resultados da seguinte
maneira: “Este estudo mostra que os testes disponíveis não são eficazes e
podem realmente causar danos por causa do elevado número de falsos
positivos. Estes resultados apontam para a necessidade contínua de
ferramentas de rastreio mais precisas e eficazes.”
Depois de me aprofundar um pouco nesta matéria, eu fiz uma pequena
pesquisa na internet para saber qual a opinião dos médicos brasileiros
sobre o assunto. E desta vez o choque foi ainda maior! Não tem
praticamente nenhum site que esclareça, de maneira neutra, sobre as
limitações e riscos da ultrassonografia transvaginal. Pelo contrário,
quase todos os sites de clínicas e consultórios enaltecem este exame
como um excelente método para prever o câncer. Recomenda-se o seu uso em
intervalos regulares para mulheres completamente saudáveis: Assim, no
site www.oncoguia.org.br, podemos ler o seguinte: “O melhor método para
avaliação periódica e preventiva do câncer de ovário é o ultrassom
transvaginal, que é o exame que apresenta sensibilidade e especificidade
para detectar o câncer ovariano.”
Além disso, não achei nenhum site que fizesse referência aos estudos
empíricos dos EUA e da Europa, embora o estudo do PLCO fosse amplamente
divulgado nas revistas especializadas e na imprensa. Eu me pergunto
então: Por que acontece isto no Brasil? Como não pode ter nenhum tipo de
reflexão crítica sobre o assunto? A ciência não é universal? Enquanto
os médicos brasileiros parecem desconhecer os riscos deste método, na
Alemanha, uma equipe de médicos contratada pelo Ministério de Saúde
acaba de ganhar um prêmio por ter comprovado os perigos deste exame por
meio da pesquisa empírica (Prêmio David Sackett por medicina baseada em
evidência, 16 de março de 2012)! No reporte final do seu estudo, fica
evidente que o exame traz mais malefícios que benefícios à grande parte
das mulheres, desde que seja praticado de maneira “preventiva”. Os
autores também recomendam aos médicos que fiquem mais cientes dos
estudos empíricos, em vez de se orientar nas suas experiências práticas
só. Por último, exigem que as pacientes devam ser informadas de maneira
transparente e imparcial sobre os riscos e limitações deste exame.
Fonte: Blog Saúde Brasil