Movimentos sociais feministas de Minas Gerais,
profissionais de saúde que atuam no Programa de Saúde da Família (PSF) e
gestores de saúde do estado são os protagonistas de um projeto que vem
sendo desenvolvido por meio de uma parceria entre a Universidade de York
(Inglaterra), Fundação João Pinheiro e a Fiocruz Minas. A partir de um
enfoque das ciências sociais, o trabalho visa levantar e compreender as
principais dificuldades enfrentadas pelos agentes comunitários, diante
da tarefa de evitar a propagação das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti
(dengue, zika, chikungunya, febre amarela), também conhecidas como
arboviroses. Ao final do processo, pretende-se elaborar estratégias de
ação no âmbito das políticas públicas, bem como fornecer novas
ferramentas que, ao refletirem as reais demandas, possam gerar uma
compreensão mais aprofundada dos desafios colocados pelas epidemias.
Com o título Movimentos Sociais feministas e a resposta à síndrome de
zika no Brasil: mitigando negligências por meio de abordagens centradas
na comunidade, o projeto tem como um dos diferenciais o envolvimento da
Articulação das Mulheres do Campo de Minas Gerais, um espaço de
interlocução que envolve diferentes movimentos, organizações e redes do
estado. A intenção é dar voz a essas pessoas, de forma a descobrir
demandas que possam refletir as interseções entre gênero e raça,
desapropriação econômica, vulnerabilidade ambiental, demandas e acessos
aos serviços de saúde e formas precárias de vida ligadas à produção
agrícola em meio rural e urbano que interferem nos aspectos sociais
ligados à epidemia.
“Nosso objetivo é ouvir esses grupos e, mais do que isso, levar as
demandas apontadas por eles a outras esferas, como a dos gestores
públicos. E, sabendo do protagonismo da mulher nas questões que
envolvem a família e a comunidade, nada mais eficiente do que
envolvê-las nesse debate. Certamente, temos muito o que aprender com
tais grupos que, historicamente, dependem de redes de apoio e de
práticas de cuidado, que ultrapassam a esfera da assistência nos
serviços públicos de saúde”, afirma a pesquisadora da Fiocruz Minas,
Denise Nacif Pimenta.
O projeto, que foi pensado em 2016 e recebe financiamento da
Universidade de York (Inglaterra), faz parte da rede “Ciências Sociais e
Humanidades frente à epidemia de zika”, coordenada pela Fiocruz no Rio
de Janeiro e foi aprovado pelo Institutional Links Zika, construído em
parceria entre a Fiocruz e a British Council – Fundo Newton.
O projeto inclui três etapas: levantamento das demandas; promoção de
debate e articulação entre a sociedade civil, profissionais de saúde e
gestores políticos; e, finalmente, elaboração de materiais educativos,
bem como de um documento com os principais resultados, que possam
subsidiar ações e estratégia no âmbito das políticas públicas para
melhorar os aspectos identificados como problemáticos.
“O objetivo principal do projeto é estabelecer o diálogo e promover a
escuta de agentes comunitários de saúde, agentes de endemias e gerentes
de unidades básicas de saúde”, explica a pesquisadora da Fundação João
Pinheiro, Maria Nogueira. Segundo ela, esses são atores importantes para
a compreensão do cenário sociocultural da epidemia, dos aspectos
relacionados à gestão e execução de atividades diretamente relacionadas à
prevenção e ao controle das arboviroses, bem como ao encaminhamento e
acompanhamento dos grupos afetados.
Também estão sendo entrevistadas mulheres grávidas ou que tiveram
bebês recentemente. De acordo com a pesquisadora, a intenção é dar voz a
essas usuárias dos serviços, uma vez que o espaço de escuta e diálogo
costuma ser negligenciado.
“Os dados apontam para um cenário de medo, preocupação, falta de
informação e muitas dúvidas. No caso dos agentes, os relatos nos revelam
um quadro preocupante de falta de informação, pouca ou nenhuma
capacitação e falta de materiais informativos e educativos para
auxiliá-los no trabalho com a população”, comenta Maria Nogueira.
Workshop
O projeto prevê a realização de um workshop, com a participação dos
movimentos sociais feministas, profissionais de saúde, gestores
estaduais e municipais da área de saúde e pesquisadores. Será uma
oportunidade de promover o diálogo entre esses diversos públicos que
raramente se encontram.
“Faremos a apresentação dos dados coletados, estimulando a discussão
entre os participantes. Sem dúvida, será um momento bastante produtivo,
pois pessoas de campos diferentes e com papéis tão distintos poderão
dialogar”, conta Denise Pimenta.
Os materiais informativos e educativos serão produzidos até o fim
deste ano. O formato e o conteúdo serão definidos depois de finalizada a
fase de coleta de dados, uma vez que a tônica do projeto é gerar
produtos que dialoguem com a realidade sociocultural dos atores
envolvidos.
“Não queremos trabalhar na lógica da produção vertical que
desconsidera as especificidades dos sujeitos sociais e o contexto no
qual estão inseridos. A produção compartilhada da criatividade, aspectos
lúdicos e contextualização serão ingredientes fundamentais para que
possamos nos comunicar de forma mais eficaz”, destaca Maria Nogueira.
Por meio de uma parceria com a TV Minas, também serão produzidos
materiais audiovisuais, que poderão ser usados em atividades de ensino a
distância. Outro importante produto será um documento elaborado com
base nas conclusões do workshop, que poderá ser utilizado para nortear
as políticas públicas relacionadas às arboviroses.
Projeto integrador
Ao promover interação entre os movimentos sociais feministas ligados à
agroecologia, profissionais de saúde, pesquisadores e gestores
políticos, o projeto preenche uma lacuna importante, que é promover um
melhor conhecimento do contexto social das arboviroses e maior
participação coletiva na definição de políticas públicas.
“Essa melhor compreensão e interação entre os diferentes atores podem
contribuir para um conhecimento mais aprofundado do problema
muldimensional das arboviroses, além de uma identificação mais precisa
das necessidades dos grupos mais vulneráveis, permitindo assim a
definição de políticas públicas mais eficazes e inclusivas”, destaca o
pesquisador da Universidade de York, João Nunes.
Segundo o pesquisador, a recente epidemia de zika trouxe algumas
lições importantes não apenas para os gestores, mas também para os
pesquisadores na área de saúde. Para ele, a situação demonstrou,
primeiramente, as insuficiências de políticas centradas no controle
químico do vetor, que abordam o problema como uma questão meramente pela
via biomédica, focadas no desenvolvimento e aplicação de instrumentos
técnicos ou farmacológicos, independentemente do contexto político,
econômico e social.
Ainda de acordo com o pesquisador, a resposta à epidemia de zika
também demonstrou os limites de uma estratégia voltada para a
responsabilização individual, ou seja, uma estratégia que se baseia na
alteração de comportamentos individuais, sem considerar o ambiente e
contexto social no qual as decisões individuais são tomadas. Para Nunes,
a epidemia de zika revelou ainda até que ponto a vulnerabilidade às
arboviroses é condicionada por determinantes econômicos e de gênero.
“As populações economicamente mais carentes e, principalmente, as
mulheres e seus filhos em situação de extrema carência estão não apenas
particularmente vulneráveis às doenças, mas também numa situação de
difícil acesso aos mecanismos de resposta a estas doenças, em especial o
acesso aos serviços de saúde. Essa dimensão social e política tem sido
negligenciada pelas atuais políticas de controle das arboviroses, o que
se repete para a epidemia de zika”, avalia.
Para a pesquisadora Denise Pimenta, as ciências biomédicas e as
ciências sociais e humanas tendem a não dialogar entre si. Dessa forma,
as ciências sociais têm sido sistematicamente excluídas da discussão e
delineamento das políticas e campanhas de prevenção e controle das
arboviroses.
“Os campos científicos não se falam nem trocam experiências, não
participam dos mesmos eventos científicos, não leem nem publicam nas
mesmas revistas, não participam dos mesmos comitês científicos e de
delineamento de políticas públicas”, afirma. Na opinião da pesquisadora,
isso agrava ainda mais a dificuldade de produção mais ampla do
conhecimento social necessário para compreensão integrada da
problemática da prevenção e controle das arboviroses.
“Esse projeto busca exatamente atuar nessa questão: unir esforços e
conhecimento científico, bem como da ciência biomédica e das ciências
sociais e humanas”, diz.
Keila Maia (Fiocruz Minas)
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/27482-ministerio-da-saude-divulga-novos-dados-de-febre-amarela
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